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Patrimônio Cultural

     Quando falamos em Patrimônio Cultural, falamos da institucionalização da memória sobre alguma experiência cultural na qual essa memória se manifesta. A patrimonialização de um traço da cultura se dá pelo recurso à legislação, com a intenção de agir contra o esquecimento, pois, por vários motivos, as pessoas acreditam na potência daqueles traços culturais enquanto agregadores da identidade. Em outras palavras, recorrer à legislação que versa sobre o patrimônio cultural é um ato de salvaguarda daquilo que as pessoas engajadas nesta tarefa acreditam ser sua própria identidade.

     No processo de tornar a memória um Patrimônio, diversos dispositivos legais são acionados nas três instâncias do poder executivo. Isso quer dizer que tanto a legislação federal – à nível de País – como estadual e municipal devem ser ativados, em harmonia, para garantir que a memória daquilo que uma comunidade considera importante, para serem quem são, seja protegida contra as diferentes operações que podem levar ao esquecimento.

     Em nível federal, herdamos o adensamento da questão da identidade e do esquecimento com o qual estiveram preocupados os artistas, políticos e demais grupos envolvidos na Semana de Arte Moderna, ocorrida em São Paulo, em 1922. Há cerca de cem anos haviam se reunido, no Teatro Municipal de São Paulo, nomes da importância de Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Heitor Villa-Lobos e Tarsila do Amaral, para discutir e demonstrar, através da arte, do que se tratava ser brasileiro naquela época; afinal, os traços culturais que a poesia, pintura, música, literatura e escultura expressavam falavam um pouco e cada uma a seu modo sobre o tema da brasilidade.

     Na trilha destas questões que, em 1936, o Ministério da Educação e Saúde Pública submeteu para avaliação um anteprojeto, para criação de um serviço de defesa do patrimônio artístico nacional. Este anteprojeto foi aperfeiçoado e se tornou lei em 13 de janeiro de 1937 (lei nº 378/1937), através da qual foi criado o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Em paralelo à criação do SPHAN, foi aprovado, também, o decreto-lei nº 27/1937, para organizar a proteção e definição do patrimônio histórico e artístico nacional, ao defini-lo como “o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.

        No entanto, a trajetória de adensamento das políticas culturais, iniciadas na primeira metade Século XX, foi interrompida com o golpe militar, apoiado em 1964 por setores do empresariado nacional e camadas reacionárias da sociedade civil. No intuito de controlar a livre expressão artística e vê-se livre de críticas, o Estado ilegal da época (1964 – 1985) chamou para si a responsabilidade sobre a arte produzida em território nacional. O Artigo 172 da Constituição Federal de 1967 dizia “o amparo à cultura é dever do Estado”, e em seu parágrafo único, acrescentava: “Ficam sob proteção especial do Poder Público os documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os monumentos e as paisagens naturais notáveis, bem como jazidas arqueológicas”. Naquela época, a cultura não pertencia às pessoas que a produziam, que viviam ela na prática. A cultura pertencia ao Estado, e ele não assumia papel de incentivador, mas funcionava como ente que a permitia ser vista ou a impunha o esquecimento.

       A derrocada daquele regime e a consolidação jurídica de um país democrático através da Constituição Federal de 1988 (CF-88) entregaram à sociedade civil e às comunidades o poder de enunciar sua identidade, através da cultura. A CF-88 reconheceu a relação entre Patrimônio Cultural e direitos culturais, o que quer dizer que há a garantia da diversidade cultural e a garantia de que esta diversidade possa estar atrelada à marcos identitários específicos. Esta inovação jurídica garante, também, que não apenas o bem material produzido por qualquer cultura está passível de reconhecimento como patrimônio, mas também o saber-fazer, que permite a este bem assumir forma, pode ser protegido contra o esquecimento.

       Neste sentido, o Artigo 216 da Constituição vigente diz que “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referências à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.

    Esta incorporação ao tema do patrimônio, realizada em 1988, soma-se à definição de patrimônio estabelecida do decreto-lei nº 27/1937 (citado anteriormente) e permite a distinção entre o que é “patrimônio material” (toda produção tangível que passe por um processo de patrimonialização. Por exemplo: o Cuscuz Nordestino) e o que é “patrimônio imaterial”: o saber-fazer vinculado a algum traço importante para a identidade cultural de um grupo (por exemplo, o Modo de Saber-fazer Cuias do Baixo Amazonas), pois na gama de referências identitárias passíveis de patrimonialização a CF-88 inclui “formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.

      Em âmbito estadual, sob a CF-88, a Lei Estadual nº 5629/1990 regulamenta os órgãos da administração pública responsáveis pelo processo de tombamento e registro de um bem, ao mesmo tempo em que elabora diretrizes de incentivo à preservação do patrimônio.

      Nesta trilha de desenvolvimento institucional e normativo que foi possível, com a Lei Municipal nº 0437/2017, instituir o Festival de Quadrilhas Folclóricas de Faro como Patrimônio Cultural Imaterial. Isto quer dizer que estas quadrilhas compõem aspecto relevante para a identidade farense e, de forma mais geral, contribuem para a identidade nacional. Assim sendo, as pessoas que fazem o festival, produzem objetos materiais, tais como as indumentárias, alegorias, adereços e portais; essas pessoas também articulam saberes sobre coreografia, produção musical, técnicas em artesanato e artes plásticas, e desenvolvem tecnologia empregada na confecção dos objetos. A realização do festival contribui para a manutenção desses saberes que, ao longo dos anos, tem sofrido transformações. Essas atividades permitem que se manifeste a experiência cultural dos farenses.

       Portanto, a partir deste quadro o Acervo Comunitário de Memória e Arte das Quadrilhas Folclóricas de Faro (PA) vêm à comunidade farense e aos fazedores do festival expor e produzir um arquivo sobre o que estas pessoas disseram ser importante mostrar, deste evento que já é reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do nosso município.

Referências:

AZEVEDO, Paulo. PCH: a preservação do patrimônio cultural e natural como política regional e urbana. São Paulo: Anais do Museu Paulista, v.4, n.º 1, 2016. pp. 237-256.

 

BRASIL, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Patrimônio Cultural. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/218.

 

BRASIL, Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm.

 

BRASIL, Ministério do Turismo/Secretaria Especial da Cultura. Plano Nacional de Cultura. Disponível em: http://pnc.cultura.gov.br/tag/plano-de-salvaguarda/.

 

FARO, Câmara Municipal. Lei 0437/2017, disponível em: https://camarafaro.pa.gov.br/arquivos/42/_0000001.pdf

 

PARÁ, Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS), Lei Estadual Nº 5629, disponível em: https://www.semas.pa.gov.br/1990/12/20/9729/.

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