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ENREDO

            Dançar quadrilhas, em Faro, é uma forma de contar histórias, de contar histórias que dizem respeito às populações locais, suas memórias, suas emoções, sua sociabilidade. De tal sorte, antes mesmo do festival, no âmbito das reuniões quase secretas das comissões, as quadrilhas começam a imaginar e elaborar o tema que será tratado em sua apresentação, bem como a forma que ele se manifestará no âmbito de cada elemento. Escolhido o tema, e amarrados a ele os leves e livres passos da coreografia, bem como as linhas que trançam a indumentária, ou o ferro fundido das alegorias e dos portais, tudo há de dialogar, para, no movimento, na apresentação, se manifestar a coerência de uma história bem contada.

            O apresentador, tal como um narrador, um anfitrião, há de dar ao espectador as boas-vindas, não apenas à apresentação, mas ao mundo que nela é contido e que será descortinado, com o tom próprio, pertinente ao respeito e à animação que sustentam o tema escolhido. É a fala do apresentador o suporte do que está por vir, e é a fala dele que dispara o relógio, a contagem de tempo que incide sobre o início e o fim de cada espetáculo.

            Daí em diante, a ordem da apresentação poderá modificar-se sensivelmente, de uma quadrilha para outra, mas, sem sombra de dúvidas, a presença da comissão se refere ao esforço organizativo, esforços individuais e coletivos, comunitários, dos bairros, mas também das famílias, elementos importantíssimos que constituem cada quadrilha.

            Os noivos serão então casados. A cerimônia em si é um espetáculo que, assim como na vida, na arte, muda com o tempo de tal modo que, no decorrer dos anos, noivos e noivas podem casar forçados, pelo pai da moça portando uma espingarda; podem casar apaixonados, pelo efeito da flecha do cupido; e podem casar até mesmo o Calça Molhada, isso é, o Boto, finalmente afastado de sua vida sedutora e errante para viver uma nova, a conjugal.

            Para além dos noivos, não se pode esquecer das crianças, geralmente crianças, apresentando, com uma faixa, o tema das quadrilhas, elas participam desde muito cedo. O tema ou o lema, de tal sorte, que hão de nortear quer seja a apresentação da quadrilha, quer seja o seu caráter é carregado pelas mãos infantis, desde logo inseridos na brincadeira.

            A alegoria sempre há de chamar muito a atenção, símbolos das quadrilhas que, com o tempo, cresceram, podendo alcançar até mais de três metros! As alegorias vão e vem daqui para ali, com seu aparato de metal, gesso, madeira, tinta, em movimento, dançando, abrindo e fechando olhos e boca, ou até mesmo servindo de transporte para os destaques, enquanto o cordão não para de dançar.

            O cordão virá, sob os comandos do marcador, antes portador apenas da própria voz impostada e da autoridade de organização, agora com seu principal instrumento, o apito, desde sempre de indumentária própria, orquestra com clareza e criatividade cada movimento da coreografia, um líder que precisa de desenvoltura e experiência. O cordão, depois de entrar, há de dançar até o fim, resultado de ensaios que implicam não apenas o domínio da coreografia, mas o desenvolvimento do condicionamento físico. A dança, movida ao ritmo das músicas e ao apito do marcador, conta com passos e acrobacias, fazendo referência aos tradicionais passos das quadrilhas juninas, bem como inovando, com elementos diferenciados. Saúdam o público, bem como os jurados, fazem o quatro por quatro, fazem ondas, fazem o caracol, o movimento do chapéu, desenham letras, círculos ou corações, com seus próprios corpos em movimento, símbolos nítidos que, vistos da arquibancada, dizem exatamente o que querem dizer. Ensaiando e protegendo os segredos de sua apresentação o ano inteiro, finalmente a quadrilha mostra o resultado desses esforços.

            Também o casal caipira, figura típica, há de se somar à dança, com humor e empolgação, interagem constantemente com o público e a quadrilha. A rainha, um dos destaques mais importantes da apresentação, depois de longos ensaios, orientados pela comissão, pelo marcador, e pouquíssimas vezes por um coreógrafo, conta com sua própria criatividade, carrega responsabilidade individual sobre a pontuação da equipe e se esforça ao máximo em sua evolução. Assim também é a Porta Estandarte, entra e evolui, sob os próprios esforços, sob o auxílio do incentivo dos companheiros da quadrilha, geralmente ensaiando em constante diálogo com a rainha. É muita responsabilidade.

            Apresentados todos os itens, ao som de músicas tradicionais de quadrilha, de músicas próprias – compostas pelas comissões ou por músicos contratados – ou mesmo das paródias, as quadrilhas se ajeitam para se retirar, da saída, a ansiedade para o resultado da competição será seguida pela comemoração, ou mesmo pela reunião em que se faz um balanço do trabalho realizado. A história foi contada. Ano que vem, uma nova história será contada novamente, começando pelo tema, pelas costuras, pelos ferros, pelos passos, pelas coreografias, pelos brincantes e, finalmente, culminando no Festival.

OS ITENS DA QUADRILHA FOLCLÓRICAS DE FARO

         Existem elementos indispensáveis ao Festival de Quadrilhas Folclóricas de Faro, assim o são pela própria interpretação dos brincantes e, também, pois valem pontos, de acordo com o regimento do Festival, que muda de ano em ano. As quadrilhas juninas, como resultado do esforço conjunto e da dedicação empreendida durante quase o ano inteiro, buscam apresentar no Festival de Quadrilhas – a culminância de tantos esforços – basicamente os elementos a seguir:

 

Tema: A apresentação de cada quadrilha conta, inicialmente, com um tema, escolhido por cada uma das comissões, com participação ou não dos outros brincantes. Escolhido o tema, todos os elementos envolvidos na apresentação devem fazer referência a ele, esta coerência entre os elementos e o tema fundamentam a narrativa construída pela organização, manifesta nas coreografias, bem como nas indumentárias.

 

Apresentador de quadrilha: É o anfitrião da apresentação da quadrilha, toma o espetáculo em sua narrativa e o entrega em sua evolução ao público, dá vida à apresentação e suporte a todos os praticantes, a partir de sua liderança, desenvoltura, animação e figurino.

Marcador de quadrilha: no passado, por meio da voz, hoje, geralmente com a utilização do apito, o marcador domina e desenvolve a coreografia, utilizando clareza e criatividade, também é avaliado por sua desenvoltura, pela liderança, pela empolgação.

 

Casamento: o casamento é um momento fundamental da apresentação, nele interagem o noivo e a noiva, em um rito de casamento, geralmente com a presença de um padre e dos pais da noiva. No decorrer do tempo, o casamento nas quadrilhas folclóricas de Faro tem adquirido contornos muito peculiares, substituindo, às vezes, a presença do padre pelo tabelião, ou mesmo da espingarda e do pai da noiva, pelo cupido e sua flecha! Como convidados, geralmente aparece o próprio cordão.

 

Cordão: o cordão são os brincantes, em grande número, de 30 a 40 pares, devem manifestar a animação, alegria e simpatia do grupo. Usam uma indumentária semelhante entre si, geralmente ostentando as cores de suas respectivas quadrilhas. O cordão deve ensaiar bastante e ter muito fôlego, posto que precisa dançar sem parar durante todo o tempo da apresentação, geralmente de 45 a 60 minutos.

 

Casal caipira: o casal caipira representa o humor e a diversão folclórica da apresentação, com indumentárias que diferenciam este casal do cordão, dos noivos, de rainhas e porta estandarte, o casal caipira deve ter animação constante, bem como intensa interação com sua torcida e os demais.

 

Rainha: um dos destaques mais importantes da apresentação das quadrilhas folclóricas, a rainha é escolhida, dizem alguns foliões, pela desenvoltura ao dançar e pela sua beleza. Ela tem uma indumentária diferenciada, assim como coreografia própria, e trabalha cautelosamente para desenvolver uma evolução impecável.

 

Porta Estandarte: segundo os brincantes, também escolhida pela desenvoltura na dança e beleza, a Porta Estandarte carrega o símbolo máximo da quadrilha que representa, significando também o tema ou algo que marque a apresentação de sua quadrilha. A porta estandarte também possui, além da coreografia peculiar, indumentária própria, dedicando-se ao máximo para a sua evolução, deve apresentar simpatia, beleza, garra e respeito ao estandarte.

 

Comissão e organização: é responsável, a comissão, pela organização do conjunto folclórico, determinando a ordem nas apresentações e sua organização, a coerência e adequação entre os elementos bem como profissionalismo e respeito pelo espaço da apresentação.

Torcida e animação do grupo: Também são fundamentais para as quadrilhas juninas suas respectivas torcidas e a animação do grupo. A atitude da torcida, sua animação e empolgação, são fundamentais e manifestam o amor pelas quadrilhas e pelo resultado do trabalho desenvolvido no decorrer do ano, ainda assim, está submetida à uma série de regras regimentais, no intuito de regular o respeito e a fraternidade no ambiente do festival.

Referências:

PREFEITURA DE FARO. Regimento Interno nº1/2016. Do XI Festival de Quadrilhas Juninas do Município de Faro. 2016.

QUADRILHA CAMPINENSE. Ancestralidade cultural, a arte da vida. Roteiro da Quadrilha Campinense. 2019.

QUADRILHA MORUMBI. No Brasil de São João. Roteiro da Quadrilha Morumbi, 2019.

Entrevistas:

ABECASSIS, Roberta. Entrevista cedida para este projeto. 09/04/2021

FERREIRA, Valcicléia Barbosa. Entrevista cedida para este projeto. 06/04/2021

BRITO, Andrei de Souza. Entrevista cedida para este projeto. 15/04/2021

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